Élber, em exclusiva ao Flashscore: "Brasil tem muito a aprender com a Alemanha"

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Élber, em exclusiva ao Flashscore: "Brasil tem muito a aprender com a Alemanha"

Elber deixou seu nome na história do Bayern de Munique
Elber deixou seu nome na história do Bayern de MuniqueProfimedia
Aos 50 anos, Élber segue sendo, até hoje, muito lembrado por tudo que fez (e ainda faz) pelo Bayern de Munique. Com a camisa do time bávaro, foram seis anos de gols e conquistas que colocaram seu nome na história do clube.

Foi no Bayern que Élber conseguiu a desejada visibilidade internacional para chegar à seleção e se tornar um dos atacantes mais importantes da sua geração. No currículo, quatro Bundesligas, um Mundial de Clubes e uma Champions. 

Agora como representante do campeão alemão, marcando presença em jogos e eventos para divulgar a marca do clube, Élber usa todo conhecimento que teve no time para estreitar relacionamentos com investidores, patrocinadores e a torcida, que o tem até hoje, como uma grande referência de um dos tempos mais áureos do clube em toda sua trajetória.

Nesta conversa exclusiva com o Flashscore, Élber fala do seu começo de carreira, saindo do Brasil com apenas 18 anos, do pequeno atrito com o técnico Zagallo, do futebol brasileiro de hoje e dos ensinamentos que seu país de origem pode ter com a Alemanha, que se tornou sua nova casa. 

Confira:

Você foi parar na Europa muito cedo, antes dos 18 anos. Se arrepende de algo?

Não me arrependo de nada. Fui em uma época boa, quando deveria ter ido. Na Itália, já estavam jogadores consagrados com passagem pela seleção como Careca, Aldair, Alemão e Dunga. A chance apareceu depois que fui vice-artilheiro do Mundial sub-20 em Portugal, foi algo da noite pro dia.

Minha ideia era retornar para o Londrina, mas houve este acerto com o Milan, que atravessou uma negociação que já estava avançada com um clube da Suíça. O valor da transação foi de US$ 1 milhão, o valor mais caro pago para um jogador saindo do Brasil jogando na categoria sub-20. Não era muito comum um jogador tão novo sair do Brasil para jogar na Europa. 

Considera-se mais reconhecido fora do Brasil do que dentro? 

Com certeza. Minha carreira foi toda feita fora do Brasil. Fiz apenas três ou quatro jogos pelo Londrina, atuei mais no time júnior do que no principal. Não tive a chance de passar por times de Rio ou São Paulo. Lembro até de um jogo da seleção, quando fui convocado pelo Vanderlei Luxemburgo. Ele tinha uma dúvida no ataque e optou pelo Edílson, que era mais conhecido dentro do Brasil e teria mais apoio da torcida. Percebi ali que minha concorrência era mais difícil do que imaginava. 

Sua passagem pela Seleção Brasileira foi mais curta do que imaginou? 

Sim, foram apenas 15 jogos e sete gols. O Zagallo me chamou pela primeira vez. Isso aconteceu pouco tempo depois dele falar para uma emissora alemã que tinham dezenas de jogadores como eu jogando no Brasil, que eu poderia entrar de férias porque pra seleção eu não iria.

Eu respondi dizendo que ele estava maluco, mal me conhecia, nem via jogos da Bundesliga. Passou um mês e ele me convocou para uma Copa Ouro nos EUA para fazer parte de um time que tinha Edmundo e Romário. Era um bom elenco. Minha passagem na seleção foi curta, mas fiz meus gols por lá. 

Elber atua como representante do Bayern em viagens, jogos e eventos
Elber atua como representante do Bayern em viagens, jogos e eventosProfimedia

Guarda alguma mágoa deste incidente?

Nenhuma. Só de estar naquela Seleção era bacana demais, eram vários jogadores de renome e fiquei muito feliz de ter sido lembrado. 

E por pouco, você não foi para a Copa do Mundo de 2002, certo?

Sim, cheguei a participar de toda as Eliminatórias. Faltavam dois jogos para acabar e eram partidas menos complicadas, mas o Bayern de Munique não me liberou. O Felipão me ligou, disse que eu perderia minha chance e que a Seleção não faria contato com o Bayern para resolver a situação. Eu não poderia ir sem o aval do clube que pagava meu salário. Não sabia com quem estava a razão. O Luisão acabou sendo chamado, fez gols e aproveitou bem a oportunidade. 

Elber conquistou Champions e Mundial de Clubes pelo Bayern
Elber conquistou Champions e Mundial de Clubes pelo BayernBayern de Munique - Divulgação

Você chegou a indicar Neymar para o Bayern quando ele ainda era uma promessa do Santos?

Isso. Fui ver uma Copa São Paulo de futebol júnior e o Neymar tinha 15 ou 16 anos e já jogava bem no meio de atletas mas velhos. Falei dele com os diretores do Bayern, mas deixei claro que seria difícil comprá-lo, já tinham times atrás dele e ele já recebia um bom salário. Não demorou para ele fechar contrato com o Barcelona.

Era uma política do Bayern não contratar jovens abaixo dos 18 anos, principalmente tirando de um país estrangeiro. Aqui na Alemanha, este tipo de situação não é bem vista. Não faz parte da filosofia do clube trazer o atleta tão jovem para um mundo completamente diferente, junto com os pais e com tanta coisa envolvida, correndo o risco de não dar certo.

É uma situação mal vista pela sociedade alemã tirar um atleta tão jovem, de um país menos desenvolvido, para trabalhar pra você. O ideal é ter, no mínimo, 18 anos, abaixo disso não há negócio. 

Por que acha que deu tão certo na Alemanha?

Tive pouco tempo de categoria de base no Brasil, fui muito cedo pra Europa. Quando cheguei no Milan, eles me emprestaram para o Grasshopper, do futebol suíço, que tem um estilo de jogo bastante parecido com o alemão, de força e pegada. Foram três anos na Suíça, voltando para a Itália para fazer a pré-temporada com o Milan. Isso lapidou minha forma de jogar e cheguei mais bem preparado quando fui transferido para o futebol da Alemanha. (nota: Élber fez 44 gol em 96 jogos pelo Sttutgart antes de ser transferido para o Bayern, onde fez 139 gols em 266 jogos)

Elber em sua apresentação ao Stuttgart em 1994
Elber em sua apresentação ao Stuttgart em 1994Profimedia

Como é sua função junto ao Bayern?

Sou embaixador da marca Bayern de Munique no mundo, trabalho no escritório dentro do clube e o represento junto a patrocinadores e torcedores. Outros atletas também fazem este trabalho como o peruano Claudio Pizarro, Paulo Sérgio e o Zé Roberto. Organizo e participo de eventos. Estou presente em todos os jogos dentro de casa, vou no camarote dos patrocinadores e convidados, viajo para partidas da Champions e fico por conta de fazer este contato. 

Possui outras ocupações?

Graças a Deus, não. Não tem trabalho melhor que o meu. Não tenho interesse em ser procurador ou técnico, é muita dor de cabeça. Estou no lugar certo e tiro proveito por ser comunicativo, conhecer e gostar de falar de um clube que defendi por seis anos e ganhei muitas coisas. É um prazer passar diante este conhecimento e experiência que tive dentro de campo no Bayern. Sou embaixador do Bayern desde 2016, quando já morava no Brasil. O clube me chamou para estar mais perto e hoje moro na Alemanha. Minha esposa não pensou duas vezes antes de sinalizar positivamente quando falei com ela do convite. 

Relação direta com torcedores faz parte da rotina de Elber
Relação direta com torcedores faz parte da rotina de ElberBayern de Munique - Divulgação

O que diria para os jovens atletas que vão cedo para a Europa, situação que tem se mostrado cada vez mais frequente?

A primeira coisa é aprender o idioma. Se isso acontecer, ele terá melhor entendimento do que é falado pelos jogadores e treinador, vai entender melhor as coisas, porque elas acontecem de determinada maneira. Isso ajuda muito. É preciso estar disposto a ralar muito. Não dá pra pensar que vai chegar aqui ensinando os outros a jogar, é preciso entrar no esquema deles. É possível que o jogador fique com saudade de casa e queira retornar para um lugar onde é "bajulado" e todos o conhecem. Isso não vai acontecer na Europa.

O Vini Jr., por exemplo, foi paciente, chegou com calma, comendo pelas beiradas, assim como o Rodrygo. Foram pacientes para esperar pelas oportunidades, jogaram no time de baixo do Real Madrid antes de chegar à equipe principal. Quando isso acontece, a chance de mostrar seu talento e fincar o pé no clube é maior. Se achar que vai chegar sendo titular, sem saber que será preciso ficar um tempo no banco de reservas, é melhor ficar no Brasil. 

Elber marcou 139 gols em 266 jogos pelo Bayern de Munique
Elber marcou 139 gols em 266 jogos pelo Bayern de MuniqueProfimedia

Acredita que muitos jovens vão mais cedo do que deveriam para a Europa? 

Não tem nada disso, depende muito do garoto, da sua cabeça, da família e do apoio que ele tem. Se el tiver um empresário honesto, ele estará bem acompanhado e será bem desenvolvido. Não é fácil trazer um garoto para um outro mundo. É uma outra forma de jogar, outro idioma, sem amigos, uma transferência desta envolve muita coisa. Não é só jogar futebol, existem outras questões muito importantes envolvidas. 

Brasil é carente de camisas 9 de alto nível?

O futebol de hoje tem nem tanto aquele camisa 9 clássico. O sistema de jogo mudou muito, temos centroavantes que saem da área e flutuam pelos lados do campo. Na Europa, é uma peça rara de se encontrar este 9 tradicional. 

Depois de fazer sua carreira na Europa, você teve um único clube no Brasil: o Cruzeiro. O que dizer da sua passagem por Belo Horizonte?

Se soubesse que ia gostar tanto, teria ido mais cedo. Mas fui após uma cirurgia no tornozelo, fiquei um ano sem jogar e atuei no clube por uma temporada. O presidente era o Zezé Perrella. As dores me incomodavam muito e falei com ele sobre meu interesse de rescindir o contrato. Ele não queria, disse que a mídia estrangeira comparecia ao clube por minha causa. Mas eu sentia muitas dores após os jogos, não conseguia treinar 100% e via uma molecada muito boa de bola pedindo passagem.

Eu estaria atrapalhando o desenvolvimento e as oportunidades deles. A torcida na arquibancada não sabia a dor que eu sentia, eles nem imaginavam que eu jogava com limitações e poderiam pensar que eu não estava dando meu melhor pelo clube.

Eu não queria isso nem de longe, já tinha feito meu "pé de meia" e queria ser lembrado como um jogador que fez coisas boas pelo time, não como um que ficou devendo. Dei o que podia pelo clube. Minha família amou a cidade, meus filhos foram super bem recebidos na escola, é um lugar que deixou boas saudades. 

Elber viaja com alguma frequência para representar a marca Bayern no cenário internacional
Elber viaja com alguma frequência para representar a marca Bayern no cenário internacionalBayern de Munique - Divulgação

Acha que o Campeonato Brasileiro da década de 90 era mais forte que a Bundesliga? Quando o Campeonato Alemão superou o brasileiro?

Difícil comparar, são formas distintas de jogo, dois torneios bastante concorridos. Quem, no Brasil, vê o Bayern de Munique ganhando títulos em sequência na Alemanha, pode imaginar que as coisas por aqui são mais fáceis. Mas o Bayern é um time que se preparou para isso, que vem bem há anos.

Quando vendemos um jogador, compramos outro para manter a ideia de jogo. A cada temporada, poucas peças mudam, isso facilita para quem chega se integrar ao sistema e à filosofia de trabalho, levamos vantagem neste sentido. O Brasil não tem um torneio fácil, temos Palmeiras e Flamengo acima dos outros e é difícil falar qual é o melhor. 

O que o Brasil pode aprender com a Alemanha, na organização dos clubes, da liga, etc?

Acho que o Brasil vem melhorando em alguns aspectos, mas o que faz a diferença de verdade é a área de marketing. Isso gera uma grande renda. Não é possível pagar um jogador de renome somente com venda de ingressos. É preciso ter um marketing forte em cima. O clube precisa fazer parcerias com patrocinadores em uma relação ganha-ganha.

Aqui na Alemanha, as empresas investem porque saem ganhando, o clube também ganha, ex-jogadores também, é uma combinação favorável para todos os lados. Todos ficam felizes apresentando sua marca. O Brasil avançou neste sentido, mas ainda tem muito a crescer nesta área. 

Em termos de organização, sem dúvida a Alemanha tem um cenário muito mais positivo. Os estádios estão sempre cheios, existe fila de meses para se conseguir um ingresso para os jogos do Bayern. Isso dá uma segurança para o jogador, que sabe quando e como os torneios vão começar e acabar. Neste aspecto, a Alemanha também leva vantagem sobre o Brasil.

Élber indica longo caminho para o Brasil chegar perto da Alemanha
Élber indica longo caminho para o Brasil chegar perto da AlemanhaFlashscore

O que acha que é preciso fazer para democratizar ainda mais a Bundesliga?

É algo muito necessário e temos um problema grande envolvendo a questão financeira. Se compararmos com a liga inglesa ou espanhola, a diferença é grande. Os times que acabam de subir para a elite nestes países faturam o mesmo que o Bayern, multicampeão nacional. Se houvesse mais recursos para a Bundesliga, seria mais interesse para que mais dinheiro fosse distribuído para os clubes menores, criando um torneio bem mais interessante.

É complicado para os clubes de menor expressão na Alemanha acompanharem o ritmo do Bayern de Munique, que todo ano está na Champions, brigando por títulos. Os adversários ficam mesmo para trás, é preciso achar uma forma de ajudar mais os clubes menores. O futebol alemão precisa se aproximar destes concorrentes, que estão 10 ou 15 anos na nossa frente, levando times para fazer pré-temporada na Ásia e EUA.

Temos um longo caminho a percorrer, é preciso incentivar os clubes daqui a levar jogos para outros continentes para se aprender para públicos e escolas diferentes, atraindo mais patrocinadores. 

Seria interessante para o futebol alemão o Bayern conquistar menos títulos?

(Risos!). Estamos tentando deixar os outros ganharem, mas eles não aproveitam as chances (rsrsrsrs). Na Bundesliga poderíamos estar em um nível ainda melhor, tivemos agora uma troca de treinador. Deixamos muitos pontos pelo caminho, coisa que não acontecia nos últimos anos. Permitimos que outros clubes ficassem mas próximos da liderança, mas é preciso fazer sua parte dentro de campo.

Jogador precisa acordar todos os dias sabendo que precisa trabalhar forte para chegar no final da temporada e bater campeão. O Bayern de Munique não vai deixar barato para os concorrentes. O Borussia Dortmund aproveitou, chegou perto da primeira posição e até assumiu a liderança. Mas, na hora do vamos ver, em um jogo de seis pontos, acho que eles sentiram a pressão dentro do nosso estádio. 

Como vê esta renovada seleção da Alemanha?

É uma mudança natural, essas renovações acontecem ao final de cada ciclo. A seleção segue com bons jogadores, que ainda não sabemos como eles vão responder dentro do time nacional. É preciso ter paciência para lapidá-los aos poucos. O técnico está sempre nos jogos acompanhando os jogadores de perto. Quem faz a seleção da Alemanha, em sua maioria, são jogadores do Bayern de Munique e do Borussia Dortmund. Destes times, muitos podem e devem ser aproveitados.

Impunidade no Brasil é algo revoltante?

Demais! Como vou levar meu filho no estádio com um cenário como o que temos visto, como o do torcedor do Internacional que invadiu o gramado, com a filha no colo, para agredir um jogador do Caxias? Daqui a 10 ou 20 anos, essa criança não vai estar no estádio. Na Europa, os estádios parecem shoppings, os jogos são verdadeiros eventos, cheios de família em um ambiente favorável.

As crianças que comparecem hoje, são as que vão comprar camisas amanhã e vão viajar para ver o time anos depois. Isso vai dar sequência ao dinheiro que gira dentro do clube. Não tem cabimento um torcedor entrar no campo para agredir um atleta, ele precisa ser preso, colocou a filha em risco. O que ele tem na cabeça?

Entendo o amor pelo clube, mas é preciso ser racional e não um doido pra chegar neste ponto. Se isso acontece na Alemanha, ele perde a guarda do filho, o cartão de sócio e nunca mais entra em um estádio. 

Gosta da ideia de um técnico estrangeiro na Seleção?  

Acho legal, mas é preciso deixá-lo trabalhar. Não dá pra tirar o Ancelotti do Real Madrid esperando que ele faça milagre da noite pro dia, ele precisa de tempo para fazer seu trabalho. Ele esteve no Bayern de Munique, tive a honra de estar com ele no Milan, é um cara espetacular. Se vai dar certo ou não, é outra questão. No Brasil, temos um cara competente, o Abel Ferreira, técnico do Palmeiras. A CBF está monitorando esta situação e vão contratar quem achar melhor. 

O que dizer do golfe como seu hobbie?

Depois que encerrei minha carreira, fui morar em Londrina, onde existe um belo campo de golfe. Todo dia eu saía pra brincar um pouco e tomei gosto. Mantenho a prática na Alemanha, é muito comum entre ex-jogadores. É mais fácil encontrá-los em campos de golfe do que em academias.

Mas não sou esses malucos que tentam baixar handcap, a todo momento, a qualquer custo. Jogo tranquilo, pra me divertir. Se não estiver indo bem, pego uma cerveja alemã e vou batendo minha bola até chegar ao 18° buraco. Um lado legal é a realização de torneios beneficentes que geram renda para projetos sociais. Um dos meus projetos foi beneficiado por um torneio recentemente. 

Como é seu projeto social?

Ele existe desde 1994, ajudo crianças e quem mais precisa. Ajudamos pessoas no Nepal e na Índia levando água para escolas, construindo poços artesianos, tentando fazer a diferença em locais que sofrem desastres naturais. Ajudamos pessoas que foram afetadas pelo terremoto recente na Turquia também. 

É um tipo de atitude que falta em ex-atletas?

Não sei dizer, acredito que muitos tenham e ajudem e não façam propaganda. É uma forma fácil de arrecadar com patrocinadores e ajudar pessoas que precisam. É legal termos nosso nome por trás para ajudar neste trabalho de arrecadação, mostrar que é algo honesto. Recentemente, arrecadamos 22 mil euros em um único jantar beneficente aqui na Alemanha. 

Borussia Mönchengladbach foi o último clube de Elber na Alemanha
Borussia Mönchengladbach foi o último clube de Elber na AlemanhaProfimedia