Nesta terça-feira (21), após o término da 25ª rodada da Bundesliga, o Union Berlin está em terceiro na classificação, a apenas quatro pontos do todo-poderoso decacampeão Bayern de Munique.
Nesta temporada, o time empatou com o Bayern e ganhou do Dortmund, além de ter liderado o Alemão por várias rodadas, algo totalmente inédito.
No mês passado, o Union enfrentou pela primeira vez – e venceu – o Ajax na Liga Europa, depois de se classificar para um mata-mata de competição continental também de forma inédita.
Isso tudo depois de passar quase toda sua história no futebol só enfrentando times de divisões inferiores.
Da Guerra ao Comunismo
A origem do Union data de 1906, quando um clube chamado Olympia Oberschöneweide foi fundado no subúrbio de Berlim. Em 1920, o Olympia trocou seu nome para Union Oberschöneweide e se mudou para Köpenick, mesmo município do time atual (no subúrbio da capital).
Após a Segunda Guerra, a capital alemã foi dividida entre as quatro nações aliadas e, no começo da Guerra Fria, o Union se dividiu em dois, pois os atletas do lado soviético não podiam mais viajar para o lado capitalista para jogar a liga da época.
O novo clube da Alemanha Ocidental foi chamado de Sport-Club Union 06 Berlin.
O que restou do antigo clube continuaria a jogar em competições regionais e, durante a década de 1950, mudaria algumas vezes de nome antes de se estabelecer em 1966 como 1. FC Union Berlin.
O número 1 seguido de um ponto quer dizer "Primeiro" e permanece na nomenclatura até hoje.
Na liga da Alemanha Oriental (a antiga DDR-Oberliga), o time não era uma potência. Eles chegaram a liderar a liga apenas duas vezes, e nunca foram campeões. O maior título da equipe foi uma Copa da Alemanha Oriental, em 1968.
O Union vivia à sombra do FC Dynamo, que era o time preferido do Partido Comunista.
O Dynamo era uma espécie de Bayern oriental. Seu presidente era também chefe da Stasi (o Ministério da Segurança do Estado) e venceu a liga local por 10 vezes seguidas.
O antagonismo entre os dois clubes foi um pouco responsável pela reputação do Union como um clube dissidente, ou rebelde.
Queda do Muro e o quase sumiço
Em 1989, caiu o muro que dividia os lados leste e oeste de Berlim, e as ligas se fundiram. Com muito menos dinheiro, e em uma região mais pobre no país, os clubes orientais foram perdendo pouco a pouco seus melhores jogadores para o lado ocidental.
Em 1995, 150 atletas já tinham mudado de lado. E pouco a pouco, os times do ex-lado comunista foram caindo de divisão e sendo extintos. O Union quase seguiu o mesmo destino.
Na época da unificação da Alemanha, o Union passou por tanta dificuldade financeira que não pôde jogar a segunda divisão, apesar de ter vencido a terceirona por duas vezes nos anos 90.
Em 1995, os torcedores compravam ingresso no mercado negro para evitar que credores levassem o dinheiro da bilheteria. Como o estádio fica no meio da floresta, a torcida ia atrás das árvores procurar pelos "cambistas oficiais" em dias de jogos.
A épica ressurreição
Depois de quase abrir falência, em 2001 o clube ganhou a terceira divisão mais uma vez, e finalmente pôde participar da Bundesliga 2.
No mesmo ano, eles conseguiram chegar na sua primeira final da Copa da Alemanha, mas perderam para o Schalke por 2 a 0.
Em 2004, os torcedores novamente salvaram o clube da falência. E na temporada 2008-09, veio a histórica promoção para a primeira divisão após um playoff dramático contra o Stuttgart.
Desde então, o Union Berlin se estabeleceu como uma equipe sólida na Bundesliga. A disciplina e resiliência dessa região da Alemanha se refletem no apelido do time: Eisern Union, ou "União de Ferro".
Hoje, o mascote do clube é um ferreiro, figura que remete a um dos primeiros uniformes do time que parecia a roupa que os metalúrgicos da região usavam na época.
Desde a promoção em 2019, o orçamento do time tem sido baixo e a troca do elenco, bastante alta. "Jogadores vêm, jogadores vão, mas o jeito de jogar é sempre reconstruído e a torcida abraça todo mundo", resumiu Samuel, torcedor de carteirinha há mais de 40 anos, ao Flashscore.
Jeito de jogar
No cargo desde 2018, o técnico Urs Fischer é chave para o sucesso meteórico do Union. O suíço conseguiu construir nas últimas temporadas um 3-5-2 formidável. Hoje sua equipe é compacta e inabalável, e reduz o espaço entre as linhas como ninguém.
O time tem a melhor defesa da Bundesliga junto com o Bayern, que tem zagueiros caríssimos.
O meio-campo do Union custou cerca de 5 milhões de euros apenas, o que é o preço de Yann Sommer, o goleiro do Bayern de Munique.
As principais "estrelas" de Fischer são: Christopher Trimmel, Kevin Behrens, Rani Khedira (mais conhecido por ser o irmão mais novo de Sami) e Sheraldo Becker. Quem você queria no seu time?
"Eles não são astros, mas jogam com o coração, e Becker sabe meter gol", resumiu Kazim, um dos raros torcedores claramente de origem não-germânica que presenciamos no estádio após a vitória de domingo contra o Frankfurt.
A casa no meio da floresta
A grande força do time do leste da capital está na sua base de torcedores apaixonados. O estádio An der Alten Försterei (algo como "Estádio da Antiga Casa do Guarda-Florestal", em português) é um caldeirão. A antiga casa, aliás, era a sede principal do Union e está de pé até hoje.
Apesar de pequeno (capacidade de 22 mil torcedores), o Försterei tem as arquibancadas grudadas no campo e uma torcida super barulhenta.
Conseguir ingresso para partidas oficiais é quase impossível, já que os sócios-torcedores lotam o estádio todo jogo.
"Não acho que turistas ou aventureiros são bem-vindos", revelou Tina, uma torcedora-raiz, ao Flashscore. "Tentamos manter os assentos para quem tem ligação com o clube e passou anos tentando colocá-lo na elite. Aqui é lugar de torcer e sofrer, não de passeio", completou.
A casa do Union fica literalmente no meio da floresta. Para chegar lá, você sai da estação de trem e anda uns 10 minutos numa pequena trilha dentro de um parque de mata fechada para chegar na entrada do estádio.
Lá dentro, ainda em clima de futebol dos anos 70, há algumas barraquinhas de currywurst (a típica salsicha de Berlim) e de boa cerveja.
A arquitetura do estádio é no estilo "quadrado inglês", com arquibancadas baixas e assento de concreto atrás dos gols.
Não há música ou cheerleaders. E quando sai gol, você vê uma mão saindo da janela de uma casinha de tijolos vermelhos para mudar o placar analogicamente.
A última reforma do estádio foi feita por mais de 2 mil torcedores, que trabalharam sem receber um tostão.
O Försterei é também o lar do Weihnachtssingen, uma vigília de Natal à luz de velas que começou há 20 anos com algumas dezenas de torcedores entrando secretamente no estádio para espantar o mau-agouro e, hoje em dia, virou um evento famoso e superlotado.
Uma capital, dois mundos
O Union fica em Köpenick, um município colado a Berlim, na parte sudeste da capital. O time mais rico da cidade, o Hertha, fica no extremo oposto: na ponta noroeste da cidade.
Distantes geográfica e geopoliticamente, os clubes se enfrentaram pela primeira vez apenas em 2019, no primeiro ano dos Eisern na Bundesliga.
A rivalidade é, portanto, incipiente. O arqui-inimigo do Union continua sendo o Dynamo, que hoje chafurda entre a quarta e a quinta divisão.
"Antes você via até algumas bandeiras do Union em jogos do Hertha, em um sinal de solidariedade. Mas desde que subimos, a coisa mudou. Quando fomos jogar pela primeira vez lá no estádio do Hertha, fomos até recebidos com uma saraivada de sinalizadores, então acho que está nascendo mesmo uma nova rivalidade", contou Tina, torcedora que viaja com o Union Berlin para todo lado.
Uma curiosidade: apesar de nascer no lado comunista e ter apoiado pautas progressistas em muitos momentos, o clube não necessariamente está atrelado a uma imagem de esquerda, como é o St.Pauli em Hamburgo.
A torcida é majoritariamente da classe trabalhadora, mas o clube sempre foi meio anti-establishment nos tempos da Alemanha Oriental. E, mais que isso, hoje a região de Köpenick tem muitos adeptos da extrema-direita. Portanto, sua torcida é diversa no que diz respeito ao espectro político.
De qualquer maneira, o Union é o conto de fadas do atual futebol alemão, e um respiro para quem adora futebol no país.