Autismo e futebol: quando os clubes marcam um gol de placa promovendo a inclusão

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Autismo e futebol: quando os clubes marcam um gol de placa promovendo a inclusão

Camisa do Goiás alusiva à conscientização do autismo
Camisa do Goiás alusiva à conscientização do autismoGoiás/Divulgação
A cada dia que passa, os clubes de futebol do Brasil têm buscado se atentar para um público bastante especial: os torcedores com espectro autista. Ações, campanhas e, principalmente, a criação de espaços que atendam com qualidade a estas pessoas têm se tornado a missão de várias diretorias e departamentos esportivos.

Nesta reportagem especial, o Flashscore apresenta algumas das iniciativas que têm ajudado a mudar a vida de diversos torcedores pelo país, trazendo inclusão, valorização e conforto. 

O futebol é um meio de conexão e transformação social. Utilizá-lo como ferramenta para além da bolha denota, em sua essência, o que realmente é o esporte. 

Exemplo esmeraldino

Crianças com espectro autista entraram em campo com jogadores do Goiás
Crianças com espectro autista entraram em campo com jogadores do GoiásGoiás/Divulgação

No último dia das mães, o Goiás promoveu a entrada de 10 crianças portadoras do espectro autista na partida contra o Botafogo, pelo Campeonato Brasileiro, no estádio Hailé Pinheiro, a Serrinha. As crianças foram acompanhadas pelas mães e os jogadores utilizaram uma camisa alusiva à conscientização do autismo. 

A iniciativa é parte de um projeto ainda mais amplo do clube esmeraldino que, no último dia 2 de abril, inaugurou um camarote para pessoas com TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) e espectro autismo no estádio Hailé Pinheiro. O clube se tornou o primeiro do Centro-Oeste a possuir tal espaço, inaugurado justamente no Dia Mundial da Conscientização do Autismo. 

"São disponibilizados 15 check-ins por partidas para o plano "Sou Amor"', relatou o clube goiano, por meio de sua comunicação, ao Flashscore

Vista do camarote no Hailé Pinheiro
Vista do camarote no Hailé PinheiroGoiás/Divulgação

O plano "Sou Amor" é totalmente voltado para pessoas do espectro autista e TDAH e, logo quando do seu lançamento, mais de 100 adesões foram feitas em menos de 24 horas. Ele é totalmente gratuito, assim como o acesso ao camarote.

"Os portadores do espectro autista e de TDAH possuem uma ampla gama de condições caracterizadas por desafios que envolvam habilidades sociais, concentração e comunicação. Por isso, necessitam de um ambiente físico especialmente construído para atender suas necessidades, e assim deixá-los confortáveis e seguros para aproveitar a partida", destaca o Goiás. 

Ambiente especial e agradável

Goiás quer promover a inclusão com atitude pioneira no Centro-Oeste
Goiás quer promover a inclusão com atitude pioneira no Centro-OesteGoiás/Divulgação

O camarote é feito em uma sala sensorial, ambientado de forma a tornar o jogo mais proveitoso e tranquilo para os torcedores com autismo e TDAH. O ambiente conta com brinquedos, puffs, TV e videogame, tornando o espaço agradável para os torcedores e seus acompanhantes.

"Ficamos contentes em proporcionar uma experiência mais agradável e segura para os portadores de autismo e TDAH no Estádio Hailé Pinheiro. Sempre buscaremos as adaptações necessárias para o conforto e a segurança de nossa torcida”, declarou Paulo Rogério Pinheiro, presidente executivo do Goiás, quando da inauguração do espaço. 

Exemplo colorado

No Dia Mundial da Conscientização do Autismo, o Museu do Inter recebeu um grupo de 8 pessoas diagnosticadas com o espectro autista, atendidos pela Clínica Nicoletti
No Dia Mundial da Conscientização do Autismo, o Museu do Inter recebeu um grupo de 8 pessoas diagnosticadas com o espectro autista, atendidos pela Clínica NicolettiInternacional/Twitter Oficial/Divulgação

Outro clube que tem se destacado em ações voltadas para torcedores com espectro autista é o Internacional. O Flashscore conversou com Janice Cardoso, diretora feminina e de Inclusão Social do Colorado. Dentre várias campanhas, a equipe planeja ter, em breve, um espaço sensorial completamente voltado aos portadores de TEA (Transtorno do Espectro Autista), propiciando às famílias atípicas (nome dado à família cujo familiar esteja no espectro do autismo) todo o conforto e acolhimento. 

"Está em andamento a criação do projeto de sala especial em um setor nobre do Beira-Rio. Atualmente, utilizamos a área destinada a PcDs (pessoas com deficiências) nas arquibancadas. Mas estamos finalizando projeto para criação de uma sala sensorial, acessível e inclusiva, exclusiva para autistas e acompanhantes localizada em um camarote do Beira-Rio. Acreditamos que será inaugurada no segundo semestre de 2023. A capacidade será de 10 pessoas com espectro autista mais acompanhantes", declarou Janice.

Detalhe na braçadeira homenageou campanha de conscientização sobre o Autismo
Detalhe na braçadeira homenageou campanha de conscientização sobre o AutismoRicardo Duarte/Internacional

A dirigente contou ainda sobre as ações que o clube já incorporou à sua rotina de atividades e que ajudam na conscientização do autismo entre os torcedores, além de promover a inclusão dos torcedores com espectro autista ao ambiente do time, comissão técnica e jogadores. 

"Promovemos publicações em datas representativas, entrada com jogadores em campo, ação com crianças autistas que interajam com os cânticos da torcida, atendimento aos autistas que recebemos na sala de convivência do estádio, além do encaminhamento para área de PcDs com acompanhantes e sem restrições aos seus objetos de apoio", apontou Janice.

"Promovemos, ainda, visita cortesia ao museu e estádio a grupos de crianças autistas e também temos atendido diversas entidades com público autista e familiares", acrescentou. 

A importância do envolvimento do clube com a causa

Internacional se denomina o clube do povo e preza pela inclusão em seu estatuto
Internacional se denomina o clube do povo e preza pela inclusão em seu estatutoInternacional/Divulgação

O Internacional busca ser um clube inclusivo, algo que está do DNA da equipe e que também é exaltado no estatuto colorado. É desta maneira que Janice acredita que o time gaúcho contribui de forma decisiva no auxílio aos seus torcedores com espectro autista.

"Acredito que podemos ajudar promovendo a inclusão e o sentido de pertencimento a todo e qualquer torcedor(a), indiscriminadamente. Como um clube do povo, inclusivo desde a nossa fundação, o Sport Club Internacional tem no seu estatuto e nos seus contratos de trabalho e com fornecedores, cláusulas antidiscriminação. Possuímos também um Canal de Denúncias para chamados sobre qualquer tipo de discriminação e violência", ressaltou a diretora. 

Para atender o público autista e familiares, o Internacional se preparou com a ajuda de especialistas, como psicólogos e diretores voltados à inclusão. Além disso, o Beira-Rio conta com profissionais de acessibilidade, preparados para lidar com o encaminhamento de torcedores com espectro autista às acomodações ofertadas pelo Internacional. 

Parte externa do Gigante da Beira-Rio, o estádio do Internacional
Parte externa do Gigante da Beira-Rio, o estádio do InternacionalBeira-Rio/Divulgação

"Temos alguns profissionais, voluntárias da diretoria feminina e de inclusão, pasta da vice-presidência de Relacionamento Social, que atuam sob demanda. E contamos com uma equipe profissional de acessibilidade em todos os espaços do nosso estádio", observou Janice. 

"Os profissionais, especialmente da equipe de acessibilidade e de operações do estádio, orientam os trabalhadores dos acessos (portões) do Beira-Rio na recepção e atendimento de todos os PcDs, incluindo os portadores de síndromes ocultas, como é o autismo", finalizou a diretora. 

Exemplo alvinegro

Arena MRV terá sala sensorial prepara para receber torcedores com TEA
Arena MRV terá sala sensorial prepara para receber torcedores com TEAPedro Souza / Atlético

Em Belo Horizonte, o Atlético-MG conta os dias para a inauguração de seu estádio, a Arena MRV. O mais novo palco do futebol brasileiro se prepara para a festa da torcida alvinegra. O espaço, com capacidade para 46 mil espectadores, além de 112 camarotes e outras atrações, contará com um uma sala sensorial para pessoas pertencentes ao transtorno do espectro autista (TEA). 

A informação foi divulgada pelo clube no dia 2 de abril, data da Conscientização do Autismo. O Flashscore entrevistou Jéssica Meireles Santana, analista de marketing e comunicação da Arena MRV. Ela comentou sobre a ideia da criação do espaço no estádio alvinegro, uma inspiração que, além de outros locais pelo mundo, também tem exemplos dentro do país, como é o caso do Corinthians

"Tive a oportunidade de conhecer o camarote TEA da Neo Quimica Arena, o estádio do Corinthians, e acompanhar a operação no dia de jogo e trocar experiências junto a equipe que lá trabalha. Assim como no Corinthians, aqui na torcida do Galo também temos a torcida organizada “Autistas Alvinegros”. Aos poucos, vamos quebrando o preconceito e principalmente conscientizando as pessoas sobre o transtorno", contou Jéssica.

Camarote TEA na Neo Química Arena
Camarote TEA na Neo Química ArenaDivulgação

"O diagnóstico de uma criança leva até cinco anos para ser feito, então atitudes como a sala sensorial e inclusão nos jogos e eventos é de suma importância para fomentar a campanha de conhecimento e popularização da informação. É preciso enxergar além do nosso espaço físico, temos o dever social de quebrar paradigmas e tornar o futebol cada vez mais para todos", observou a analista. 

Projeto em desenvolvimento

Arena MRV ainda não tem data definida para operação imediata
Arena MRV ainda não tem data definida para operação imediataPedro Souza/Atlético-MG

Não há data para que a Arena MRV entre em operação definitiva. A liberação do estádio depende de contrapartidas junto à prefeitura de Belo Horizonte e o assunto está sendo discutido pela Câmara Municipal da capital mineira. 

A data será fundamental para que o projeto da sala sensorial seja efetuado. A iniciativa ainda está em desenvolvimento, conforme explicou Jéssica Mereiles. 

"O Galo e a Arena MRV são do povo, somos um time de Massa, nada mais justo do que acolher e respeitar todos. A sala está em desenvolvimento junto à equipe de arquitetura da Arena MRV e ficará disponível quando o estádio entrar em operação definitiva", disse.

Uma das entradas da Arena MRV, a casa do Atlético-MG
Uma das entradas da Arena MRV, a casa do Atlético-MGPedro Souza/Atlético-MG

"Ainda não temos definidas as questões operacionais, espero que em breve possamos voltar a ter essa conversa e contar mais sobre os processos de compra de ingresso, acesso ao espaço e deslocamento dentro da Arena MRV", concluiu Jéssica Meireles. 

Entendendo o autismo e a importância da inclusão via futebol

O ambiente de um estádio de futebol pode ser desafiador para pais com crianças diagnosticadas com o transtorno do espectro autista (TEA), mas o hábito de inclusão e as ações desenvolvidas podem representar avanços na vida do autista. 

Mães esmeraldinas que acompanharam entrada dos filhos em jogo do Goiás
Mães esmeraldinas que acompanharam entrada dos filhos em jogo do GoiásGoiás/Divulgação

"Por terem dificuldades relacionadas ao sentidos (especialmente sons), pessoas com autismo podem se estressar em ambientes como estádios esportivos. Mas isto não significa que eles não gostem de esportes ou não queiram ir aos estádios. No Brasil, por exemplo, o futebol é cultural e torcer para seu time faz parte do nosso comportamento social", declarou Marília Pagio, especialista em Transtornos do Espectro Autista (TEA) e psicologia clínica. 

"Quero ressaltar que pessoas com o diagnóstico de autismo são consideradas pessoas com deficiência e têm seus direitos garantidos por lei. As ações atuais dos clubes vêm ao encontro destas iniciativas: inserir pessoas com autismo em ambientes sociais, garantindo que elas tenham acesso e frequentem os estádios, se assim quiserem", reforçou a profissional. 

Torcida Autistas Alvinegros marca presença com faixa na Neo Química Arena
Torcida Autistas Alvinegros marca presença com faixa na Neo Química ArenaDivulgação

Entrevistada pelo Flashscore, Marília Pagio respondeu às principais perguntas sobre o Transtorno do Espectro Autista, que vão desde a identificação, a idade onde o TEA pode ser detectado e o envolvimento do futebol nacional com a causa.

Confira a seguir: 

Flashscore: O que é o autismo e sua definição? 

Marília Pagio: Autismo é um transtorno que afeta o desenvolvimento de meninos e meninas. Pessoas com autismo apresentam dificuldade de comunicação social e comportamentos e interesses restritos e repetitivos. Além disso, é comum encontrarmos características variadas como sensibilidade aos sons, luzes, odores e texturas. Mas isso não é regra, já que cada pessoa possui suas próprias potencialidades e dificuldades. Cada autista é único e precisa ser observado em sua individualidade.

Ele se apresenta com mais frequência em qual faixa etária?

Sinais de autismo podem ser observados em bebês, antes mesmo do primeiro ano de vida. As características mais marcantes costumam aparecer por volta dos dois anos de idade. No entanto, é importante levar em conta que estas crianças crescem e se tornam adolescentes, adultos, idosos. Recentemente, tivemos o exemplo do ator Anthony Hopkins, que recebeu o diagnóstico aos 70 anos. Como o autismo afeta o desenvolvimento, seus sinais e sintomas são presentes ao longo de toda a vida, independente de faixa etária.

Importância da conscientização é fundamental para a inclusão do portador do TEA
Importância da conscientização é fundamental para a inclusão do portador do TEADivulgação

Como é identificado?

O diagnóstico do autismo é clínico. Isto significa que não existem testes ou exames definitivos para fechar o diagnóstico. É primordial o acompanhamento realizado por profissionais qualificados tanto para identificar quanto para direcionar o tratamento. Quanto mais cedo a criança iniciar o tratamento, menores serão suas dificuldades ao longo de toda a vida. Em caso de suspeita de autismo, não hesite em procurar uma avaliação.

Como ser reconhecido pelo clube do coração pode ajudar uma pessoa com autismo?

Infelizmente, pessoas com deficiência ainda ficam à margem da sociedade, tendo que lutar por direitos básicos garantidos por lei. Ser reconhecido como torcedor de um clube é ser reconhecido como cidadão. É ter o direito de frequentar os estádios de maneira confortável e participar de momentos únicos. Assistir às partidas em casa não tem o mesmo impacto de estar em um estádio, torcendo e vibrando junto com centenas ou milhares de torcedores. Ser reconhecido eleva a autoestima, mostra que pessoas com autismo são importantes e reduz a marginalização destes cidadãos.

Espaço TEA no estádio do Coritiba, o Couto Pereira
Espaço TEA no estádio do Coritiba, o Couto PereiraDivulgação/Coritiba

O que é primordial nestas ações, pensando neste público?

Conversar com os próprios autistas e com seus cuidadores. Somente assim será possível compreender as necessidades deste público e adaptar estratégias que as atendam. Ter espaços reservados, com filas exclusivas, redução de ruídos e possibilidade de se afastar da multidão em caso de necessidade. Na dúvida, pergunte: como posso te ajudar? Estas ações resolvem a maioria dos problemas que os autistas enfrentam nos ambientes coletivos.