Gramado sintético distorce o jogo? Entenda a polêmica

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Mais
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Gramado sintético distorce o jogo? Entenda as diferenças e o caso no Brasil

Abel Ferreira e o gramado sintético do Allianz Parque
Abel Ferreira e o gramado sintético do Allianz ParqueProfimedia
O artigo 24 da sessão K do livro com os regulamentos da Premier League na temporada 2023/24 é formado por uma frase: "nenhuma partida da Liga será disputada em superfície artificial". Além disso, em outro artigo, o K 20, não restam dúvidas de como a igualdade de condições entre os clubes é uma das premissas da competição.

"A altura da grama do campo não deverá exceder 30 mm e toda a superfície de jogo deve ser cortada na mesma altura. O corte da grama deve ser reto, feito em linhas paralelas a totalidade da largura do campo e perpendicular às linhas laterais. Não é permitida nenhuma variação na tonalidade da grama, com o objetivo de criar padrões circulares ou em diagonal".

O extenso conjunto de regras da liga de futebol mais competitiva e rica do mundo difere bastante dos padrões do lado de cá do Atlântico, dos campos brasileiros. Entre outros motivos – e é bom que se diga que com total anuência da FIFA – porque os campos brasileiros não precisam seguir lá muitos padrões, e podem até ser de grama sintética. No Reino Unido, o chamado gramado híbrido, com normalmente menos de 10% de grama artificial, também é permitido. É o caso de Anfield, do Liverpool.

Anfield tem gramado híbrido
Anfield tem gramado híbridoProfimedia

Igualdade em pauta

Por mais que o debate sobre as contusões serem mais frequentes ou não em campos com grama artificial esteja em aberto, outro tema merece ser discutido. No Brasil, para ficarmos apenas na Série A, ela está presente nos estádios de Athletico-PR, Botafogo e Palmeiras, enquanto o Atlético-MG deve fazer a mudança em 2025. A igualdade de condições para os times atuarem, no caso da Série A, está mantida?

"Pode ser coincidência mas, na minha opinião, sem querer atingir de maneira alguma as equipes que têm esse tipo de gramado, até porque trabalhei no Athletico-PR e, de uma maneira ou outra fui beneficiado naquele período, penso ser muito desigual jogar em um gramado natural e depois em um gramado como esse (sintético)".

Botafogo instalou gramado sintético no Nilton Santos em 2023
Botafogo instalou gramado sintético no Nilton Santos em 2023Vítor Silva/Botafogo

A frase do treinador Dorival Junior, atualmente na Seleção Brasileira, foi pronunciada no Allianz Parque, em São Paulo, após o clube dele na época, o São Paulo, ter sido goleado pelo rival Palmeiras por 5 a 0 no segundo turno do Brasileirão de 2023. O título acabaria sendo conquistado pelo time alviverde, dirigido por Abel Ferreira.

"No gramado sintético, a bola quica e corre de forma diferente, o que sempre requer uma certa adaptação dos jogadores", afirmou o treinador Armando Evangelista ao Flashscore Podcast. Para o técnico que esteve em 2023 no Brasil, treinando o Goiás, "é melhor ter uma grama sintética em boas condições do que um gramado natural ruim", mas, mesmo assim, a preferência dele pelo primeiro tipo é nítida.

Também na temporada passada, o então goleiro do América-MG, Matheus Cavichioli, deixou clara a preferência dele, em entrevista ao jornal O Tempo.

"Prefiro o natural, porque nós não treinamos em um lugar assim (artificial), não temos um lugar assim, como outros clubes também não. Será que isso não acaba dando uma certa vantagem para quem tem a possibilidade de trabalhar e treinar nesses lugares?", questionou o jogador, que no início deste ano se transferiu para o Água Santa.

"Vemos os donos desses estádios levando uma determinada vantagem frente os adversários. Eles sabem, porque às vezes a bola quica e corre, sobe... Por ser um piso onde todos têm acesso, é melhor o natural. Isso padroniza e torna o jogo mais equilibrado", disse Cavichioli, expressando uma opinião que reflete a maioria das declarações dos jogadores dos principais times do Brasil.

Matheus Cavichioli questionou o uso da grama sintética no Brasil
Matheus Cavichioli questionou o uso da grama sintética no BrasilAFP

Risco maior de lesão?

A Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol) anunciou neste início do mês de março que vai pleitear a proibição da grama sintética não para agora, mas para as próximas temporadas. Treinadores de destaque do futebol nacional também se pronunciaram nos últimos meses contra o carpete. Casos, por exemplo, de Fernando Diniz e Rogério Ceni.

"O gramado sintético exige uma preparação diferente", disse o atual treinador do Bahia, mas quando ainda estava no Tricolor Paulista. O técnico do Fluminense, também no Brasileirão de 2023, poupou seus principais jogadores quando visitou o Palmeiras. O Tricolor Carioca estava na reta final da Libertadores, torneio que acabou conquistando.

"Oferece mais risco (o gramado sintético). Não gosto do advento do campo de grama sintética. Não é o melhor para os jogadores, e eu sou a favor do que é melhor para os jogadores. Não favorece o jogo, muda o jogo, não é o mesmo jogo atuar em grama sintética.

"Tem uma corrida no mundo para que os campos de grama sintética sejam abolidos de alguns campeonatos, muitos na Europa não tem esse tipo de gramado, e eu sou a favor de que a gente tenha um campeonato jogado somente em campo de grama natural", afirmou Diniz, após o Fluminense vencer o Santos por 3 a 0, em novembro. Na rodada seguinte, a equipe carioca visitaria exatamente a grama sintética do Allianz Parque.

Diniz defende o fim da grama sintética em campeonatos no Brasil
Diniz defende o fim da grama sintética em campeonatos no BrasilMarcelo Gonçalves/Fluminense

Especialistas em medicina e educação física que estudam o tema, tanto no Brasil quanto no exterior, não têm uma tese fechada sobre se a grama sintética é mais ou menos propensa a provocar contusões nos atletas. Mas uma das premissas levantadas em estudos acadêmicos é se uma coisa não está ligada a outra. Ou seja, jogadores que atuam com mais frequência na grama artificial, e também treinam nesse tipo de piso, por serem mais acostumados a ela, acabam se machucando menos.

A favor dos carpetes – e o tapetinho do Engenhão, por exemplo, sempre foi muito elogiado inclusive por técnicos e jogadores que preferem a grama natural – está o preço da manutenção e da facilidade dos cuidados com o estádio. Estimativas divulgadas pelo Athletico-PR, o primeiro time do país a abdicar da grama natural, em 2016, indicavam que, enquanto a manutenção do campo artificial gira ao redor dos R$ 200 mil, o gasto com energia apenas para manter aquecida a grama natural por meio de refletores gigantes adicionava R$ 1 milhão à conta mensal do clube.

Athletico-PR tem grama sintética desde 2016
Athletico-PR tem grama sintética desde 2016Profimedia

Mudanças para Copa

Enquanto isso, no exterior, as informações divulgadas por Fernando Diniz vão ganhando contornos de realidade. Na Holanda, o sintético está proibido a partir da temporada 2025/26. Nos Estados Unidos, o MetLife Stadium, em Nova Jersey, está com sua grama artificial que existe desde 2010 com os dias contados.

Usado também pela NFL – onde o debate sobre natural x sintético está mais quente do que nunca –, o campo será um dos palcos da Copa do Mundo de 2026, que vai ocorrer também no Canadá e no México. Outros sete campos da próxima Copa terão que trocar de piso, mesmo que seja algo temporário, só para o mês do Mundial. Motivo? A FIFA quer uniformizar as superfícies para que todas as 48 seleções classificadas tenham igualdade de condições. 

A entidade máxima do futebol mundial contratou especialistas no assunto, como John Sorochan, professor de Ciência e Gestão de Gramas no Departamento de Ciências Vegetais da Universidade do Tennessee, para acompanhar a instalação e a manutenção dos gramados.

A questão agora é saber, por exemplo, se a grama vai crescer de forma satisfatória em todos os locais. A situação tende a ser mais complexa em AT&T Stadium (Dallas), NRG Stadium (Houston), Mercedes-Benz Stadium (Atlanta), BC Place (Vancouver) e SoFi Stadium (Los Angeles). Todos são estádios indoor, onde a luz do sol nem sempre é abundante.

Membros do comitê da FIFA já declararam à imprensa americana que existe o risco de algo falhar. A ver se a bola vai rolar macia como nos campos ingleses.