Desigualdade de gênero no esporte: qual o tamanho do problema e como consertar?

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Desigualdade de gênero no esporte: qual o tamanho do problema e como consertar?

A tenista japonesa é exceção à regra
A tenista japonesa é exceção à regraProfimedia
Naomi Osaka e Serena Williams estão entre os atletas mais bem pagos do mundo, mas são exceções femininas em uma lista predominantemente masculina. Onde estão as maiores e as menores disparidades? E como mudar o cenário?

De acordo com a revista Forbes, a tenista japonesa é a atleta mais bem paga de todos os tempos, faturando 2,12 milhões de euros em prêmios no circuito da WTA em 2021. Serena Williams vem atrás com cerca de 831 mil euros.

Contudo, é longe das quadras que ambas ganham mais dinheiro. Com a adição dos patrocínios e outras ações de marketing e empreendimentos, Osaka recebeu cerca de 52,9 milhões de euros em 2021 (ano da última lista da Forbes), enquanto Williams angariou 42,4 milhões. Números altos, sem dúvida, mas que fogem da regra.

Estas são as 10 atletas mais bem pagas do mundo:

Naomi Osaka (tenista): 52,9 milhões de euros

Serena Williams (tenista): 42,4 milhões de euros

Venus Williams (tenista): 10,44 milhões de euros

Simone Biles (ginasta): 9,33 milhões de euros

Garbiñe Muguruza (tenista): 8,13 milhões de euros

Ko Jin-young (golfista): 6,93 milhões de euros

P.V. Sindhu (badmintonista): 6,65 milhões de euros

Ashleigh Barty (tenista): 6,38 milhões de euros

Nelly Korda (golfista): 5,45 milhões de euros

Candace Parker (jogadora de basquete): 5,27 milhões de euros

(Estes números acima são da Forbes e incluem premiações não-esportivas)

Lista de mulheres mais bem pagas
Lista de mulheres mais bem pagasReprodução/Forbes

Tênis, o bom exemplo

As tenistas dominam a lista; por isso, a título de comparação, vejamos quem são os colegas masculinos no topo do ranking da Forbes:

Roger Federer: 83 milhões de euros

Rafael Nadal: 29 milhões de euros

Novak Djokovic: 25 milhões de euros

Daniil Medvedev: 17,84 milhões de euros

Os números não são tão díspares assim, apesar de a cobertura da mídia favorecer os homens. Mas o tênis é uma exceção, já que o esporte tem uma forte presença feminina desde a metade do século 19.

Golfe vem logo atrás

De acordo com o Statista, site alemão de dados e estatística comparativa, há três golfistas que ganham acima dos 20 milhões de dólares (ou 18,49 milhões de euros) anuais:

Annika Sorenstam: 20,87 milhões de euros

Karrie Webb: 18,74 milhões de euros

Cristie Kerr: 18,59 milhões de euros

A nova liga saudita de golfe, a LIV Golf, tornou praticamente impossível comparar os ganhos entre homens e mulheres, já que o tour é exclusivamente masculino.

Se focarmos exclusivamente na LPGA e na PGA (as ligas norte-americanas), estes são os números para os homens:

Rory McIlroy: 19 milhões de euros

Scottie Scheffler: 18 milhões de euros

Tiger Woods: 14,42 milhões de euros

Assim como o tênis, o golfe é um esporte que também não é historicamente dominado por atletas masculinos.

Jogo duro na audiência 

É preciso considerar também que exposição na mídia e audiência da transmissão de jogos contam muito na renda dos atletas.

Comecemos pelo golfe: a rodada final do circuito feminino do ano passado, transmitida pela emissora NBC, teve 840 mil telespectadores, enquanto o Torneio Bryon Nelson, parte do circuito masculino, angariou uma audiência de 2,3 milhões na ESPN.

No tênis, cerca de 4,6 milhões de pessoas viram o jogo de despedida de Serena Williams das quadras no US Open do ano passado (contra Ajla Tomljanovic), estabelecendo o recorde do esporte na ESPN. No lado masculino, a partida mais vista nos Estados Unidos foi a semifinal entre Carlos Alcaraz e Frances Tiafoe, que atraiu 2,96 milhões de espectadores.

Em 2018, a final do US Open entre Serena e Naomi Osaka atraiu 50% mais telespectadores (3,1 milhões) do que a final masculina (2 milhões) daquele ano.

Estes números são bastante empolgantes, pois indicam que os atletas de elite – masculino ou feminino – poderiam ter oportunidades financeiras similares.

No futebol, um abismo

No maior esporte de todos, a situação é outra. Nos últimos anos, o futebol feminino tem crescido em termos de popularidade, mas enquanto os homens continuam a ganhar quantidades obscenas de dinheiro, as mulheres ficam com apenas uma fração disso.

Há muitas razões para a desigualdade.

Uma das justificativas para a diferença abissal é uma comparação de audiência que acaba por ser injusta, já que o futebol masculino é tão popular que transforma até outros esportes em anões.

Em 2018, mais de 1 bilhão de pessoas viram a final da Copa do Mundo, segundo a FIFA. Já a final da Champions League de 2021 foi vista por 700 milhões. O Super Bowl, que é um fenômeno de audiência, atrai “apenas” 140 milhões, em média, de acordo com a Nielsen Media.

Com isto em mente, vamos ver alguns números relativos aos grandes jogos do futebol feminino.

Em 2019, a Copa foi vista por 260 milhões de espectadores, o que, segundo a FIFA, representou um aumento de 56% em relação à edição de 2015. 

Tivemos exatamente o mesmo crescimento percentual na Liga dos Campeões das mulheres (cuja final do ano passado teve uma média de 3,6 milhões de telespectadores) de 2021 para 2022.

Quando vemos a diferença entre torcedores na liga inglesa feminina, uma das mais ricas do mundo, o gap fica ainda mais evidente.

O público médio nos estádios da Women’s Super League (WSL) é de 6 mil torcedores. Para acharmos uma média similar no futebol masculino na Inglaterra, temos de descer até a quarta divisão.

Salário que não paga as contas

De acordo com o grupo de mídia britânico Reach, uma jogadora do primeiro escalão recebe, em média, 2,5 mil libras por mês.

O salário médio de um jogador masculino da terceira divisão está na casa das 9,5 mil libras mensais.

Naturalmente, isto gera uma barreira para as atletas femininas que queiram entrar no futebol. Até mesmo as jogadoras que chegam ao topo recebem um salário inferior ao de um gerente de supermercado de Londres, o que torna a dedicação e o esforço necessários para chegar ao topo menos apelativos.

Na segunda divisão do futebol feminino é comum ver jogadoras com outros empregos, pois seus salários no futebol não são suficientes para pagar as contas. 

Um argumento para a mudança é que alguns dos clubes de elite da Premier League poderiam e deveriam pagar melhores salários às suas jogadoras como forma de investir no esporte.

No ambiente das seleções nacionais, existe algum tipo de redenção, já que as confederações de Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte pagam os mesmos honorários por jogo para seus convocados mulheres e homens.

O mesmo ocorre agora nos Estados Unidos, depois que as atletas protestaram.

Para assistir a um jogo da WSL, o torcedor tem de pagar em média 10 libras por ingresso, enquanto o ticket da League Two (a terceira divisão) custa em média 15 libras.

Essa disparidade ajuda a mostrar que o futebol masculino é mais rentável do que o feminino. E essa é a palavra-chave, pois o futebol, hoje em dia, é um negócio.

Reparação histórica

Como se sabe, a Federação de Futebol Inglesa (FA) surgiu em 1863, e só na década de 1920 é que as mulheres começaram a entrar no esporte. Mas entre 1921 e 1970 elas foram na prática proibidas pela FIFA de jogar profissionalmente, o que atrasou em décadas o desenvolvimento do futebol feminino.

Após esta reflexão é possível perceber que não existe uma bala de prata para acabar com a disparidade de gênero, sobretudo no futebol, no qual existem histórias centenárias por trás de clubes masculinos, que as mulheres precisam de um século para alcançar.

No golfe e no tênis, o sucesso depende mais de apenas um indivíduo e de sua própria história, indepententemente do sexo. E nos torneios que têm suas tradições, como Wimbledon, por exemplo, o lado feminino não fica muito atrás do masculino.

Estar associado a grandes clubes masculinos, como é o caso das principais equipes de futebol feminino, pode oferecer maior imediatismo, mas também coloca um teto no potencial de crescimento, pois vão estar sempre na sombra dos homens.

O exemplo dos EUA

No basquete dos Estados Unidos, a disparidade entre homens e mulheres é grande – mais uma vez, justificada pela popularidade do lado masculino, no caso da NBA –, mas é significativamente menor do que no futebol mundial.

De acordo com a ESPN, os principais jogadores da NBA recebem acima dos 40 milhões de dólares anuais, enquanto as atletas mais bem pagas da WNBA alcançam 750 mil dólares por ano (incluindo patrocínios e outros ganhos, além de salário).

Já os jogadores menos bem pagos da NBA ganham um salário anual de 1 milhão de dólares, contra 130 mil dólares das mulheres que menos faturam na WNBA.

A disparidade é, portanto, menor que o do futebol inglês, e uma resposta pode estar na identidade das equipes femininas. Ainda que sejam vistos como irmãos, o Los Angeles Sparks, por exemplo, não joga sob a tutela do Los Angeles Lakers.

Na WNBA, a grande maioria dos clubes são independentes dos homens, e isso pode ser vantajoso.

Como diminuir a desigualdade

Neste momento, o caminho mais rápido para empoderar o futebol feminino – e talvez outros esportes – é comparecendo às partidas e apoiando os times.

Parece óbvio, mas se a bilheteria e o interesse aumentarem, mais investimento é possível e mais o esporte se desenvolve. Isso causaria um efeito de bola de neve, o que poderia causar mais demanda e competição no jogo feminino e, por consequência, aumento nos salários das jogadoras.

Se esta tendência descer para as divisões inferiores, a evolução poderia chegar também na base, para jovens aspirantes. Mas para que a demanda aumente, o futebol feminino tem que ser visto.

As emissoras de TV devem assumir mais responsabilidade para dar mais destaque ao esporte, como faz hoje a TV Globo no Brasil. Além disso, é necessário que haja um movimento de base forte e contínuo. E é preciso tirar os times das mulheres da sombra dos clubes masculinos.

Um dos ingredientes essenciais para o crescimento de uma competição é sua expansão. Nas quatro primeiras divisões existem apenas 48 equipes (12 em cada escalão), e isso também precisa mudar.

No Brasil, a CBF anunciou nesta semana que os clubes de todas as divisões do futebol brasileiro terão de ter um time de mulheres até 2027 — o que é, sem dúvida, um avanço.

O interesse pelos esportes femininos existe. Ele só precisa ser facilitado e nutrido.